Qual o pulo do gato? Por que horas de formação não significam certeza de melhoria?
A resposta simples e direta é que nem toda formação é boa, e sim, essa resposta faz sentido, mas será que o que chamamos de uma boa formação de fato leva a mudanças na prática escolar?
No Brasil, mais de 40% dos professores da rede pública fazem pelo menos 80 horas de formação por ano*, (*dados do MEC/Inep/DEED - Microdados do Censo Escolar). O percentual precisa crescer, mas o número de horas supera o de muitas indústrias como por exemplo o setor de tecnologia, onde a inovação fervilha, e que tem em média de 20 a 40 horas/ano de treinamento. O setor financeiro, reconhecido por ser um forte formador de profissionais, tem em média 30 a 50 horas de treinamento por ano.
Em paralelo, os índices educacionais têm melhorado no Brasil, como podemos acompanhar pela evolução do IDEB, no entanto avançamos lentamente, sem grandes saltos.
Lógico que a evolução do IDEB depende de diversos fatores, desde a infraestrutura das escolas, acesso a tecnologias, remuneração de professores, planejamento e gestão, políticas públicas, condições socioeconômicas de estudantes, formação dos professores e tantas outras.
É uma questão complexa e que não tem “bala de prata”, mas podemos olhar os bons exemplos que existem no mundo e nos inspirar.
Finlândia e Estônia, países que tiveram evoluções rápidas na educação, estabeleceram políticas amplas que levaram em consideração diversos pontos, no entanto é possível destacar 3 fatores em comum com grande relevância:
1. Formação dos professores
2. Inclusão e personalização da aprendizagem
3. Flexibilização do currículo, permitindo adequações que tornem as escolas mais relevantes aos estudantes
Formação de alta qualidade está no topo da lista. Considerando os dois outros pontos, de inclusão e personalização da aprendizagem e flexibilização curricular, já fica claro algumas das linhas e conteúdos dessas formações, preparando os professores e educadores para terem um olhar mais inclusivo, e com capacidade de entender a melhor forma de conduzir o grupo, em função de regionalidades, interesses dos estudantes, necessidades e desafios do mundo atual.
Ou seja, estamos muito certos de investir na formação continuada de educadores, o que precisamos é prestar atenção a pontos fundamentais para que essas horas de formação sejam de fato bem aproveitadas e tragam benefícios reais para educadores e estudantes.
Para formações de alta qualidade é necessário antes de mais nada ter um mapeamento de necessidades da rede, objetivos claros para as formações e um planejamento que traga uma cadência de conhecimentos e práticas para atingir esses objetivos.
De nada adianta se fazer horas e horas de formações que não conversam entre si.
É como querer construir uma casa sem um projeto e ainda receber primeiro pregos, depois telhas, azulejos, então o cimento... Provavelmente quando todos os materiais estiverem disponíveis, vários já estarão perdidos, esquecidos e sem a planta, tudo ainda pode ser unido de um jeito esquisito. O resultado com certeza ficará bem aquém do desejado.
A aprendizagem não é tão linear assim, mas o paralelo funciona: é necessário planejamento, e os conteúdos das formações precisam interagir em uma espiral crescente para que os educadores evoluam sempre em conexão com o contexto da sala da aula.
Os estágios supervisionados, que existem nas graduações em Pedagogia ou Licenciatura, são excelentes na teoria, na prática nem sempre é assim. É comum virar um jogo de “descobrir” o que se deve fazer por tentativa e erro, pois a teoria histórica não prepara para os desafios de uma sala de aula com toda sua diversidade. Em muitos casos o próprio supervisor do estágio está se debatendo com essas mesmas questões.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular) também se preocupa com o tema das formações continuadas, e estabelece que estas devem acontecer em 3 dimensões:
conhecimento
prática
engajamento
Ou seja, envolvendo domínio de conteúdos, criação e gestão de ambientes de aprendizagem e engajamento dos professores através do seu envolvimento ativo no processo de formação.
A preocupação é clara, transformar conhecimento em ação, promover mudanças, muitas vezes ressignificando a prática, modernizando-a e adequando-a às novas gerações e aos desafios da atualidade.
Quando a BNCC fala em 3 dimensões, nos traz a visão de que formação deve trazer todas as três integradas, ou seja, não em situações ou momentos separados.
Devemos unir essa visão ao conhecimento da neurociência, onde já existem diversos estudos que comprovam que o tempo necessário para se efetivar uma mudança de hábito gira em torno de 60 a 90 dias.
E aqui está o pulo do gato, uma alteração na prática diária sugerida e aprendida em uma formação que integra conteúdo, prática e engajamento, só se tornará real, quando se transformar em hábito, e o hábito irá se estabelecer no momento pós-formação.
Criar as condições para que isso aconteça, passa pela geração de um ambiente colaborativo, onde a troca entre pares leve ao fortalecimento e reflexão sobre as novas práticas. Complementarmente um acompanhamento periódico, acesso a especialistas para o esclarecimento de dúvidas e outras estratégias contribuem para o sucesso.
O incentivo para o engajamento pode vir da própria percepção da necessidade de mudanças, e pode ser estimulado por premiações, avaliações de desempenho e até através de legislação e novas regras.
Cada contexto é único, e irá pedir um tipo de planejamento e escopo. O importante é entender que preencher uma tabela de número de horas e temáticas não irá produzir efeitos mágicos, mesmo que com especialistas renomados.
É necessário planejamento, objetivos claros, integração de conteúdos, práticas e acompanhamento de resultados.
Nadine Heisler Educadora e Coordenadora do Instituto Domlexia
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